Banho de lua
O candeeiro reflectia uma bola cor-de-laranja no canto da parede da sala. Parecia um sol em chamas em plena noite estrelada. Não estava escuro, estava apenas misterioso, um misterioso daqueles que fazem os candeeiros parecerem luas na parede. Lá dentro, falava-se de tudo o que o céu não pode comprar… Das coisas. Das casas, das férias, dos projectos, dos empregos e das carreiras. As palavras atropelavam-se entre tragos de vinho tinto, bom, e garfadas de um jantar bem temperado. Tudo era especial… A toalha era nova, os copos a estrear, os pratos, os talheres e as travessas… daquele requinte que só a simplicidade sabe explicar. O requinte do momento e a simplicidade de uma noite a dois.
O tempo passou, entre coisas giras e rápidas e divertidas e assuntos delicados que se engolem rapidamente num trago de arroz de passas e pinhões. Porque todas as coisas difíceis são assim: caras, raras, com um travo doce, mas nem sempre correm bem.
As horas volviam-se, mas o sol continuava a bater na mesma parede da sala, espreitando por entre as árvores da rua. Quente. Laranja. Avermelhado. A escaldar.
O jantar continuou no sofá. Um café perfumado com pau de canela e um digestivo para ajudar as passas e os pinhões a desaparecerem de vez entre a gíria e os assuntos difíceis. O calor da parede rapidamente se fez sentir por dentro. Uma gargalhada mais profunda, um olhar mais penetrante… Uma mão que repousa de mansinho no ombro e desce descomprometidamente pelo braço até repousar no colo. É a linguagem da sedução… Ela fazia isso sem sentido. Começava a acariciar inadvertidamente o seu corpo; no fundo sentia que lhe proporcionava prazer, e por isso não deixava de o fazer. Depois apoiou o cotovelo no colo e passou os dedos por baixo do pescoço, vagarosamente… Falavam das memórias dos momentos engraçados e recordavam as peripécias daqueles que foram ficando pelo caminho entre os primeiros momentos de revelação a dois.
O gargalhar tornou-se prolongado e o tom mais descontraído. Como se o riso se espalhasse por uma onda cremosa de notas esvoaçantes. Aquele riso que diz que deseja, que grita atenção e que reclama a presença… Aquele sorriso que o fez chegar-se mais perto. Ela estremeceu, mas ele manteve-se frio, hirto. Fingiu não perceber para não a intimidar. Ela sabia que ele já tinha dado o passo, por isso entrou na fase de medir a expectativa e não deixar os fantasmas abalroarem a janela do sótão, arrefecendo o calor que sentia inevitavelmente dentro de si. Sim, de forma demasiado inevitável. Tanto que quase já lhe sentia a irreversibilidade…
Começaram as carícias. Ela pôs-lhe a mão na perna e ele sentiu o gesto da permissão. Ergueu o braço por detrás do seu pescoço num movimento que parecia uma eternidade intemporal. Enquanto isso, aquela tensão do borboletar no estômago crisalidava dentro de si. A tensão tornou-se quente, formigante e o rosto dele ficou tão perto que lhe sentia o calor numa suspensão do respirar… Antes de recuperar o fôlego, ele aproximou-se um pouco mais e foi possível sentir ao de leve, bem leve, a pele fina dos seus lábios macios. Ficaram assim um momento, apenas o suficiente para sentirem a irreversibilidade do que estava prestes a acontecer. E sabia bem. Demasiado bem. Os lábios suaves deslizaram suavemente junto dos dela, desbravando um território há muito desejado, mas longo tempo proibido. Primeiro o inferior, depois o superior com o superior dele. Carnudo, quente. A sua língua suavemente encontrou a união dos lábios dela e harmoniosamente fundiram-se em movimentos deliciosos e cheios, quentes e húmidos numa dança calma e prolongada.
Quando deram por si, os braços já se haviam encontrado e as pernas entrelaçaram-se num compasso involuntário da vontade. As bocas continuavam a sua dança e as cabeças contorciam-se entre leves gemidos que se escapavam em fôlegos de desejo interior…
Sem mais, desfrutaram-se ali. Entre o silêncio dos gemidos e os estalidos da noite estrelada que deixava o sol entrar na parede da sala quente.
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